Descoberta de origem

Quando o chef carioca João Diamante desembarcou em Cotonou para um festival gastronômico, teve a sensação de caminhar pelas ladeiras do Pelourinho às margens do Golfo da Guiné. Em passeios guiados a Ouidah, ele encontrou sobrenomes iguais aos que constam em registros de escravizados da Pequena África, bairro onde mantém um projeto social no Rio. Entre os tambores dos templos vodu e os cheiros de gengibre defumado no Marché Dantokpa, diz ter compreendido por que seus avós usavam gari e pimenta ataré para «aromar feijão preto».

Lei de retorno

Em 2024 o Parlamento beninense aprovou uma lei que concede cidadania a descendentes de povos retirados da costa ocidental da África durante o tráfico atlântico. Munido de um teste DNA que indica 61 % de ancestralidade Gbe-Ewe, Diamante iniciou o processo de naturalização. A embaixada do Benin em Brasília ofereceu apoio documental e o governo local se comprometeu a agilizar vistos de trabalho para sua futura equipe.

Gastronomia de reparação

O plano é abrir, em Abomey, um bistrô-escola voltado a jovens em situação de vulnerabilidade. O cardápio unirá moqueca de peixe-galo e farofa de dendê — levadas da Bahia — a bases beninenses como massa de milho aklui, camarão seco e pó de camarão yétè. Ao lado do salão, funcionará um laboratório de fermentados onde se testarão blends de cachaça com bitters de noz-cola e folhas de néré, criando coquetéis que contem a história das duas margens do Atlântico.

Parcerias cruzadas

A iniciativa já atraiu ONG s locais que veem na culinária de fusão uma forma de turismo responsável. A Universidade d’Abomey-Calavi ofereceu cooperação para estágio de estudantes de Nutrição, enquanto a Fundação Pierre Verger disponibilizou seu acervo fotográfico para a ambientação do restaurante. Diálogos também avançam com a Secretaria de Cultura do Estado da Bahia para intercâmbio de mestres de samba-reggae.

Impacto previsto

Economistas projetam que o bistrô deverá empregar 45 pessoas diretamente e movimentar cerca de 2 mil turistas gastronômicos por ano, injetando US$ 1,2 milhão na economia local. Já ONGs de memória afro-atlântica celebram o projeto como exemplo contemporâneo de diplomacia Sul-Sul: «É reparação pelas panelas», definiu a historiadora beninense Naïmatou Bello, lembrando que muitos saberes culinários viajaram na carga invisível dos navios negreiros.